terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O Rio

Com os pés descalços afago o rio que corre junto a mim. Que estranha relação de proximidade esta; sinto-me, de alguma forma, atraído pelo curso de água, mas não consigo ser aceite por este. Estou constantemente a ser rejeitado quando tento mergulhar...
Tentei assumir a postura física dos seres que vejo viverem como que numa relação de simbiose com a água, no entanto o resultado não melhorou: apenas consegui engasgar-me enquanto era empurrado para a superfície.
Enquanto as dúvidas me assolam como chagas, pequenas ondas aparecem e desaparecem de forma súbita na superfície rugosa deste rio que me faz cócegas provocadoras nos pés. Será que me chama?
Não atendo a chamada, volto as costas, estendo-me no chão de olhos fechados, deixo-o seguir a sua aparentemente eterna viagem e tento dormir. Será mesmo eterna? Para onde se deslocará? Perguntas que me roem por dentro impedindo o sono de aparecer.
Vasculho a mente, por entre factos e imaginação, procurando respostas às minhas questões... Apesar da certeza que tenho na capacidade para atingir a clarificação das dúvidas, elas teimam em não se esclarecer; fogem pelos meandros das ideias por criar do meu cérebro...
Volto a mim como que assustado por um sonho marcante. Abro os olhos aos poucos, voltando-me a ambientar à realidade. Como estará o rio? Mesmo já tendo pensado tantas vezes da mesma forma, insisto na ideia: tem de ser hoje que consigo penetrar nos segredos da água que corre...
Corro, como nunca corri na vida, em direcção ao rio e salto com impulsão forte, de forma a cair o mais longe possível da margem. A meio do salto sinto a falta de algo e reparo que já não há rio! Apenas um lodo viscoso recheado de pedras pontiagudos que fazem a minha aterragem não se me afigurar muito agradável. No momento antes de atingir o chão, penso: o rio viajou e secou; e eu, que estou prestes a secar, o que fiz?